Você já se perguntou o que é preciso fazer para que um filme aconteça? Glauber Rocha dizia que para fazer cinema bastava uma câmera na mão e uma ideia na cabeça e, bem, ele não está errado, mas existem etapas que precisam ser cumpridas de maneira organizada e eficiente tanto antes de ter a câmera na mão, quanto depois.
De modo geral, a produção de um filme se divide em três grandes etapas: a pré-produção, a produção e a pós-produção. A pré-produção começa quando você já tem a verba necessária para fazer o filme. Para conseguir essa verba, profissionais recorrem a auxílios do governo, auxílios de empresas e editais, ou ao próprio bolso.
Pré-produção
A pré-produção consiste em organizar a produção do filme, com cronograma, análise técnica e plano de filmagem. A escolha da equipe é o próximo passo e geralmente ocorre a partir de encontros do diretor com o produtor do filme. Os critérios para essa escolha são variáveis: indicações, experiências passadas, etc.
Depois, é necessário fazer reuniões gerais de produção para que a equipe fique ciente dos objetivos do filme e se organize de acordo com suas necessidades.
A análise técnica é feita a partir de tabelas que detalham todos os gastos do filme, plano a plano. Elas são necessárias para enviar projetos para leis de incentivo. A escolha de elenco (ou casting) pode ser feita já durante a elaboração do roteiro, etapa anterior à pré-produção. Quem tem a palavra final nessas escolhas é o diretor.
Depois, é necessário que cada núcleo (som, arte, fotografia) estude as locações para organizar seu trabalho. Nessa etapa é comum que se faça mapa de luz, storyboard e maquetes.
No cronograma de filmagem, é preferível que se comece pelos planos mais simples, depois que evolua para os mais complexos e, então, para os mais simples de novo. Isso porque a equipe costuma estar exausta ao final do ciclo de filmagem de um filme.
Produção
Feito tudo isso, você pode começar a filmagens. É essencial pensar o set de filmagem como o lugar de trabalho do diretor, atores e demais técnicos. Por isso, ele deve ser bem demarcado para evitar a presença de pessoas que não façam parte da equipe.
Nessa etapa surge uma nova função: o produtor de set, aquele que é responsável pela organização do set, desde a sua delimitação até a alimentação da equipe. Cada núcleo deve ter sua base de ação, ou seja, um lugar para colocar todos os equipamentos necessários de um jeito que eles fiquem à mão.
Pós-produção
Terminadas as filmagens, é a hora da pós-produção. É preciso desmontar todo o set, devolver todos os equipamentos, pagar cada profissional que fez parte da produção do filme e cuidar que todos eles voltem para suas respectivas cidades. Se leis de incentivo foram utilizadas, é preciso também apresentar toda a documentação detalhando os gastos da produção.
Entram em cena os editores e finalizadores, que darão os últimos retoques para que o filme se transforme em um produto audiovisual completo. Por último, é preciso cuidar da divulgação e distribuição do filme via festivais, mostras e circuito comercial.
Nós reunimos 4 filmes que tiveram problemas na sua concepção ou divulgação para mostrar que, muitas vezes, filmar um filme é o menor dos problemas. Confira!
Açúcar (2017, Renata Pinheiro e Sérgio Oliveira)
As gravações de “Açúcar”, drama sobre a herdeira de um engenho de açúcar que se vê confrontada pela memória da escravidão, aconteceram durante 13 dias em 2014, financiadas pelos próprios diretores. Depois, eles contaram com um edital para finalizá-las e, então, precisaram cuidar da distribuição. Nesse processo, demorou seis anos depois de pronto para que o filme chegasse às salas de cinema.
Não basta ter dinheiro para rodar o filme e não ter meios para distribuí-lo. Fazer um longa-metragem implica pensar em todas as áreas de produção e divulgação para que o trabalho tenha a melhor recepção possível.
Chatô, o Rei do Brasil (2015, Guilherme Fontes)
Uma das produções mais demoradas do cinema brasileiro, “Chatô, o Rei do Brasil” começou a ser produzido em 1995 e só foi concluído em 2015 por conta da má administração de recursos. A estreia de Guilherme Fontes como diretor tinha como ambição principal ser o maior filme épico da história do Brasil. Para isso, Fontes angariou diversos financiamentos e tentou atrair a produtora de Francis Ford Coppola para o projeto, sem sucesso.
Em 1999, o dinheiro acabou. Foi aí que as contas do filme foram auditadas pelo Ministério da Cultura, que encontrou notas emitidas por empresas sem registro e transferências ilegais de verba para outro projeto de Fontes. O ministério, então, bloqueou novas captações para “Chatô”. Em seguida, a equipe foi despejada do estúdio em que estavam filmando por falta de pagamento do aluguel.
As filmagens voltaram em 2003, mas, àquela altura, a Ancine havia encerrado o prazo de entrega de “Chatô” e a produtora de Fontes entrou para a lista de inadimplentes do governo. Financiadores também começaram a pedir seu dinheiro de volta na Justiça. O diretor chegou a ser condenado por sonegação fiscal.
O filme, por fim, estreou em 2015 e ganhou os 4 prêmios destinados a longa-metragens no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro 2016. A recepção do público não foi tão efusiva: a estreia foi vista por apenas 11,6 mil pessoas em 19 salas. Isso porque Fontes distribuiu o filme por conta própria. Atualmente, é possível assistir "Chatô" na plataforma de streaming Netflix.
Eraserhead (1977, David Lynch)
O primeiro longa do aclamado diretor norte-americano David Lynch demorou 6 anos para ver a luz do dia. Rodado durante o período em que Lynch estudava no American Film Institute, “Eraserhead” a princípio foi financiado pelo instituto, que acreditava que o filme seria um curta devido ao seu breve e abstrato roteiro. Mas não foi bem assim.
A direção meticulosa de Lynch e a falta de maior financiamento atrasaram as gravações, que aconteceram em propriedades do instituto, incluindo estábulos vazios no fundo do AFI, onde Lynch morava na época. Doações de amigos do diretor mantiveram o projeto acontecendo.
O filme foi um sucesso no circuito midnight movie: arrecadou 7 milhões de dólares nos Estados Unidos e 14 mil e seiscentos dólares em outros países.
Marighella (2019, Wagner Moura)
Protagonista de uma das maiores polêmicas do cinema brasileiro recente, a biografia do político, escritor e guerrilheiro assassinado pela ditadura militar Carlos Marighella teve seu lançamento no Brasil adiado duas vezes: primeiro por um impasse da produtora O2 com a Ancine, depois por causa da pandemia de COVID-19.
“Marighella” recebeu cerca de R$ 3 milhões do Fundo Setorial do Audiovisual (FSA), o que obriga a produtora a informar à Ancine com pelo menos 90 dias de antecedência a data de lançamento do filme. A O2 não cumpriu o prazo, alegando que o contrato com o FSA ainda não havia sido formalizado.
A produtora pediu que a Ancine antecipasse a verba para a comercialização do filme, o que não foi atendido por conta de pendências da agência. Depois, a produtora teve que devolver R$ 1,2 milhão do FSA para que o filme estreasse em maio de 2020, o que não foi possível devido à pandemia de COVID-19.
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