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  • Foto do escritorVitor Soares

O público do cinema nacional da última década. E as políticas públicas no entorno dos números

Especialistas do audiovisual discutem se as políticas públicas para garantir a exibição de filmes nacionais são fator preponderante para o sucesso do setor


Em abril do ano passado, durante os primeiros meses do governo de Jair Bolsonaro, era impossível entrar em um cinema que não estivesse exibindo em todas as suas salas (ou em quase todas) o longa Vingadores: Ultimato, dos poderosos estúdios Marvel. Naquele momento, mais de 80% das salas exibição estavam projetando o filme estadunidense.


O sucesso astronômico do fim da saga dos heróis dos quadrinhos teria passado batido, apenas com pompas, já que os produtores faturaram US$ 2,7 bilhões e bateram todos os recordes de bilheteria da história do cinema mundial - inclusive no Brasil, onde a arrecadação foi de US$ 85,4 milhões.


Acontece que, na mesma época, o longa brasileiro De Pernas Pro Ar 3, estrelado por Ingrid Guimarães, teve sessões canceladas em todo o país sob a justificativa dos exibidores de que era preciso abrir mais salas para conter o público da produção norte-americana.


A medida, criticada por setores mais protecionistas e apoiada por outros mais liberais, só foi permitida porque o decreto de cota de telas, atualizado sempre em dezembro de cada ano, não vigorou em 2019. Isso porque, à época de sua atualização, em 2018, o então presidente Michel Temer decidiu deixar para o presidente que assumisse em janeiro a função de editar o regramento.


Como De Pernas Pro Ar 3 vinha tendo ótimos resultados de bilheteria nas semanas anteriores à estreia de Ultimato, produtores, cineastas e inclusive a atriz Ingrid Guimarães vieram a público defender as produções nacionais do que alguns chamaram de “selvageria” mercadológica por parte dos parques exibidores.


A lei de cota de tela não foi assinada só por causa do meu filme. Tem sido uma batalha de todo o mercado cinematográfico . Ela já existe há um tempo e deve valer para os próximos filmes - não para o De Pernas pro Ar 3. Portanto ninguém vai tirar sala dos Vingadores pra colocar nosso filme.

Ingrid Guimarães, via Facebook


Após as polêmicas, o caso Vingadores contra De Pernas Pro Ar acabou gerando um tensionamento em direção ao governo federal que fez com que o então Ministro da Cidadania, Osmar Terra, assinasse nos dias seguintes o decreto que valeria para o ano atual.


Meses depois, com a oficialização via assinatura do presidente da República, os debates sobre o interesse do público e sobre a qualidade do cinema brasileiro ainda se mantém em meio a um emaranhado de leis e dados que giram no entorno da questão.


O público e o investimento do governo na última década


Os índices de público do cinema brasileiro sofreu alguns altos e baixas na última década, sempre a depender do grau de investimento governamental no setor em cada ano, e registrou queda mais acentuada em 2017. Na oportunidade, os recursos diminuíram em 82% em relação ao ano anterior.


No período analisado por esta reportagem, entre 2010 e 2019, o Brasil foi liderado por quatro presidentes da República. Dentre eles, a maior média de investimento anual do recorte foi a do Governo Lula, com valor médio investido no audiovisual de R$ 13,9 milhões ao ano.



Apesar da relação direta entre investimento e público observado no cruzamento dos dados, o espaço do cinema nacional, na comparação com o estrangeiro, ainda é baixo. Em nenhum momento do recorte observado, o audiovisual brasileiro conseguiu atrair mais do que 20% do número total de espectadores em um ano.


Para a cineasta e estudiosa de cinema carioca Marina Rodrigues, essa relação entre público e investimento é importante em qualquer país que queira ser bem sucedido no audiovisual. “Essa tendência foi provada com o aumento expressivo de novas produtoras que surgiram após a criação da Ancine e de outras leis de proteção ao produto audiovisual. Infelizmente, quando falamos sobre política cultural, estamos falando diretamente sobre os governos que regem nosso país, estados ou até município e as tensões políticas em qualquer dessas esferas afeta diretamente o setor cultural”.


Já segundo Leonardo Edde, produtor e presidente do Sindicato Interestadual da Indústria Audiovisual (Sicav), isso se dá também devido a uma baixa inserção de salas de cinema em todo o Brasil, na comparação com outros países do mundo. Para ele, isso dificulta a competitividade do cinema nacional, que, nesse universo de poucas salas, acaba sendo preterido.


“A gente [Brasil] tem três mil salas de cinema. O México, que é uma referência, tem mais de seis mil. Três mil salas de cinema são nada para que a gente tenha, realmente, um público acessando as salas de cinema. As cidades menores não têm salas de cinema. Grande parte das salas antigas virou igreja. Pra gente poder ter um público significativo de cinema brasilerio, a gente também tem que olhar para isso. A partir do momento em que a gente tem poucas salas, as exibidoras vão optar pelos blockbusters em primeiro lugar.”

Leonardo Edde, presidente do Sicav


Competição do cinema nacional com o estrangeiro


A falta de investimentos do governo nacional impacta o desenvolvimento e competitividade do cinema brasileiro dentro do próprio mercado interno. Dados da Ancine mostram que na última década o país sempre se manteve muito abaixo do cinema estadunidense tanto em orçamento quanto em público.


A esse respeito, os melhores resultados na comparação entre o público do cinema nacional e público do cinema estrangeiro aconteceram nos anos das estreias de Tropa de Elite 2: O Inimigo Agora é Outro (2010) e Minha Mãe É Uma Peça (2013), ambas franquias recordistas de público na história do audiovisual brasileiro.




Mesmo os números mais altos de investimento da série ainda não suficientes para evidenciar uma melhora significativa na competição do cinema nacional com o estrangeiro. O maior resultado de público sem o comparativo é justamente em 2016, quando Minha Mãe É uma Peça 2 estreou.


Ainda assim, houve uma tendência de crescimento em todo o audiovisual mundial a partir de 2015, que não foi acompanhada pela produção brasileiros devido à queda os investimentos a partir do governo provisório de Michel Temer.




E o decreto de cota de tela?


Além dos investimento diretos e indiretos no setor audiovisual, outra forma encontrada para incentivar o sucesso dos filmes brasileiros foi a Lei de Cota de Tela. Foi ela, que ano passado e neste ano, motivaram as recentes discussões sobre a qualidade do produto brasileiro na área.


Prevista pela Medida Provisória que criou a Política Nacional de Cinema e a Agência Nacional de Cinema (Ancine), a Lei de Cota de Tela foi pensada desde o início para ser um dispositivo que proporcionasse maior acesso de público a produções audiovisuais brasileiras.


Em linhas gerais, a norma é uma obrigação que as empresas exibidoras possuem de incluir em sua programação obras cinematográficas brasileiras de longa-metragem. As regras sobre o tempo e os dias de programação são modificadas anualmente via decreto presidencial, que não vigorou em 2019 e que voltou a valer em 2020.


Países como Canadá, África do Sul e Coréia do Sul, que recentemente foi a primeira nação de língua não-inglesa a vencer a principal categoria do Oscar, fizeram leis semelhantes para salvaguardar o seu setor audiovisual. No caso coreano, segundo Marina Rodrigues, houve centralização do setor audiovisual como principal motor econômico do país - ao passo em que os outros setores econômicos se prepararam para atender a indústria audiovisual.


“Para entender isso (o potencial econômico da indústria cinematográfica), precisamos pensar a respeito do que um filme precisa [para ser realizado]. Mesmo que você nunca tenha estudado cinema na vida, você vai poder apontar que é necessário vestir os atores, montar o cenário, é preciso alugar equipamentos de fotografia, e alimentar todos os profissionais. Só aí [nesses exemplos] vemos a necessidade de investimentos da indústria têxtil, indústria alimentícia, tecnológica, e até mesmo do mercado imobiliário devido ao aluguel das locações onde se passa o filme.”

Marina Rodrigues, cineasta.


Ainda sobre as cotas de tela, Leonardo Edde, do Sicav, acredita que a regulação ocorre para corrigir uma falha de mercado, que nesse caso é relacionada ao poder econômico dos players. “De um lado tem players do tamanho das reservas internacionais de um país inteiro e do outro há players como uma produtora pequena independente”, explica ele.


Nesse sentido, Marina explicou que a desregulação protege as empresas de fora do Brasil e prejudicam a economia nacional. “O mercado brasileiro é altamente explorado por conglomerados de mídia estrangeiros. Estamos agora mesmo vendo o problema disso através das plataformas de streaming e sua atuação altamente predatória e desregulada. Enquanto outros países já conseguiram garantir seu conteúdo em 25 a 30% nessas plataformas digitais, o Brasil quer discutir o fim da meia-entrada.”


Indústria cinematográfica brasileira


300 mil

empregos gerados por ano


13 mil

empresas envolvidas


25 bilhões

de reais injetado na economia por ano


Quando a lei de cota de tela foi estipulada, havia um período de 20 anos para sua validade - prazo que se encerra em 2021, já que a Medida Provisória é de 2001. Há um Projeto de Lei (PL), do deputado Marcelo Calero (Cidadania-RJ), que estipula um adiamento da validade da lei até 2031.


O artigo 55

“Por um prazo de vinte anos, contados a partir de 5 de setembro de 2001, as empresas proprietárias, locatárias ou arrendatárias de salas, espaços ou locais de exibição pública comercial exibirão obras cinematográficas brasileiras de longa metragem, por um número de dias fixado, anualmente, por decreto, ouvidas as entidades representativas dos produtores, distribuidores e exibidores.”


Como 2020 foi um ano atípico para a exibição de produtos audiovisuais, será preciso esperar 2021 para que a análise do efeito das cotas de tela continue. Até lá, a indústria de cinema, aqui e lá fora, continua.


Essa reportagem entrou em contato com as três maiores empresas exibidoras do Brasil, que não quiseram se manifestar sobre o assunto.

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